Carregando
“A democracia não pode ser definida de modo simples. A soberania do povo cidadão comporta ao mesmo tempo a autolimitação desta soberania pela obediência às leis e a transferência da soberania aos eleitos. A democracia comporta ao mesmo tempo a autolimitação do poder do Estado pela separação dos poderes, a garantia dos direitos individuais e a proteção da vida privada.
A democracia, evidentemente, necessita do consenso da maioria dos cidadãos e do respeito às regras democráticas. Necessita de que a maioria dos cidadãos acredite na democracia. Mas, do mesmo modo que o consenso, a democracia necessita de diversidade e antagonismos.
A experiência do totalitarismo enfatizou o caráter-chave da democracia: seu elo vital com a diversidade. A democracia supõe e nutre a diversidade dos interesses, assim como a diversidade de ideias.
O respeito à diversidade significa que a democracia não pode ser identificada com a ditadura da maioria sobre as minorias; deve comportar o direito das minorias e dos contestadores à existência e à expressão, e deve permitir a expressão das ideias heréticas e desviantes. Do mesmo modo que é preciso projetar a diversidade das espécies de ideias e opiniões, bem como a diversidade de fontes de informação e de meios de informação (imprensa, mídia), para salvaguardar a vida democrática.
A democracia necessita ao mesmo tempo de conflitos de ideias e de opiniões, que lhe conferem sua vitalidade e produtividade. Mas a vitalidade e a produtividade dos conflitos só podem se expandir em obediência às regras democráticas que regulam os antagonismos, substituindo as lutas físicas pelas lutas de ideias, e que determinam, por meio de debates e das eleições, o vencedor provisório das ideias em conflito, aquele que tem, em troca, a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas ideias.
A democracia constitui, portanto, um sistema político complexo, no sentido de que vive de pluralidades, concorrências e antagonismos, permanecendo como comunidade.
Assim, a democracia constitui a união entre a união e a desunião; tolera e nutre-se endemicamente, às vezes explosivamente, de conflitos que lhe conferem vitalidade. Vive da pluralidade, até mesmo na cúpula do Estado (divisão dos poderes executivo, legislativo, judiciário), e deve conservar a pluralidade para conservar-se a si própria.”
Edgar Morin (Trecho do livro “Os sete saberes necessários à Educação do Futuro”, Ed. Cortez, 2007)